Entrevista – Duarte Vilela


Novos rumos para a pesquisa


Aumentar a produtividade animal e por área; reduzir a dependência de insumos importados, melhorar a qualidade do leite e criar alternativas de alimentação para o bovino – Duarte Vilela, que assume a chefia geral da Embrapa Gado de Leite, diz que esses são os desafios da pesquisa para os próximos quatro anos.


Rubens Neiva


O pesquisador Duarte Vilela assumiu, no dia primeiro de setembro, a chefia geral da Embrapa Gado de Leite. Vilela tem uma vasta experiência no agronegócio. Recentemente foi coordenador geral de Apoio às Câmaras Setoriais e Temáticas, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e secretário-executivo do Conselho do Agronegócio no mesmo ministério. Vilela foi ainda assessor da FAO (órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação), assessor do CNPq, conselheiro técnico da Associação Brasileira de Criadores de Zebu e participou ativamente em diversas instituições de fomento à pesquisa agropecuária.


Sua trajetória profissional está vinculada à Embrapa Gado de Leite, onde ingressou em 1976. Nesta instituição, ele exerceu diversos cargos, inclusive o de chefe geral (2000 a 2004). De volta ao cargo, num processo de seleção que envolveu outros dois candidatos e durou sete meses, Vilela se diz feliz por comandar, mais uma vez, a pesquisa em bovinocultura de leite da Embrapa.

Em sua casa, em Juiz de Fora/MG, ele recebeu a reportagem da Balde Branco. Falou sobre os atais desafios do setor, das dificuldades que irá encontrar à frente da instituição e do futuro do agronegócio do leite no Brasil.


Balde Branco – Qual será a marca da sua segunda gestão à frente da Embrapa Gado de Leite?


Duarte Vilela – Iremos buscar a conexidade das ações de pesquisa. Nosso trabalho irá se apoiar em parcerias e atividades em rede, com envolvimento interinstitucional e interdisciplinar. Nosso objetivo é alcançar a convergência das ações que as diversas instituições de pesquisa desenvolvem principalmente as unidades da Embrapa, que trabalham com produção animal.


BB – Quais as áreas da pesquisa merecerão destaque?


DV - Vamos incentivar, principalmente, as pesquisas em biotecnologia, nanotecnologia, fisiologia, zootecnia de precisão e modelagem. Aproveitaremos ao máximo o instrumental que a Embrapa construiu com a recente contratação de especialistas nestas áreas. Outro destaque será dado à inovação tecnológica no que se refere ao melhoramento vegetal e animal. Reforçaremos a equipe de geneticistas moleculares e quantitativos. É importante lembrar que a pesquisa em bovinocultura de leite também será cobrada por respostas relacionadas ao aquecimento global. Precisamos de uma equipe forte para desenvolver estudos que identifiquem genes resistentes a estresses bióticos e abióticos. Identificar genes de importância econômica, relacionados ao estresse calórico e a influencia ambiental será uma de nossas metas. Especificamente, no que diz respeito às raças zebuínas, há um grande gargalo da pesquisa sobre a eficiência econômica de produção de leite desses bovinos. O intervalo de parto é muito prolongado e a duração da lactação é curta. As raças zebuínas são muito importantes para a pecuária de leite nos trópicos e a genética molecular pode melhorar o ser desempenho. A respeito da nutrição animal, é inquietante sermos reféns das tabelas de exigência nutricional dos países de clima temperado. Essas tabelas superestimam as exigências dos animais em condições tropicais. Cabe à Embrapa desenvolver uma tabela para as condições brasileiras. Sobre sanidade, necessitamos dar grandes saltos nos estudos da glândula mamária bovina. A mastite ainda é um problema relevante para a pecuária de leite nacional. Não podemos descuidar, também, das pesquisas que fortaleçam o combate a endo e ectoparasitos.


BB – Do ponto de vista administrativo, quais os desafios?


DV – No plano institucional, buscaremos diversas inovações. Algumas estão ligadas aos Núcleos Regionais, criados na minha primeira administração. Os Núcleos são uma forma de descentralizar a pesquisa e a transferência de tecnologia, expandido nacionalmente os resultados da Embrapa Gado de Leite. Precisamos rever a atuação dos Núcleos e estabelecer outros em regiões que necessitam de suas ações. Iremos criar, por exemplo, o Núcleo Regional Norte. Há uma grande deficiência na produção de leite no norte do país, que carece de um trabalho forte de capacitação e transferência de tecnologia. O Núcleo Sul será reforçado. O grande crescimento da produção de leite na Região Sul nos obriga a investigar um modelo de produção mais adequado para o oeste do Paraná e Santa Catarina e o noroeste do Rio Grande do Sul. A Embrapa Gado de Leite precisa ainda ter um ponto de referência em São Paulo, já que tudo no Brasil passa por aquele estado. Grandes parceiros da Embrapa Gado de Leite estão em São Paulo e pretendemos incrementar a capacidade de parceria da unidade para ajudar a captar recursos e desenvolver projetos.


BB – A Embrapa está incentivando a aposentadoria dos seus técnicos e pesquisadores. Isso pode comprometer o trabalho do senhor?


DV – O desligamento incentivado teve inicio em 2005 e terminará no próximo ano. A Embrapa Gado de Leite deverá perder 52 empregados até 2009. Destes, 20 são pesquisadores. O que precisamos fazer daqui para frente para minimizar os impactos das aposentadorias é identificar bem as prioridades da pesquisa na hora de realizar novas contratações. Além disso, com um quadro mais enxuto, não podemos desviar pesquisadores de suas funções principais para realizar ações de transferência de tecnologia e capacitação de produtores.


BB – Desta forma, a transferência de tecnologia não seria prejudicada?


DV – Nós pensamos nisso. Para compensar essa deficiência, estamos trabalhando na criação do Núcleo de Treinamento, Transferência de Tecnologia e Capacitação. Este Núcleo irá aproveitar a experiência e a competência dos empregados recém aposentados, tanto da Embrapa Gado de Leite quanto de outras unidades da Embrapa. Assim, teremos estrutura para fazer um trabalho corpo a corpo de capacitação, utilizando-se de uma mão-de-obra altamente especializada, que é a dos aposentados. Há que se realçar que as metodologias utilizadas até hoje para transferir tecnologias e capacitar produtores têm sido inócuas. Um exemplo é os programas de melhoria da qualidade do leite, que tiveram poucos avanços. Considerando apenas as análises feitas pelo Laboratório de Qualidade do Leite da Embrapa Gado de Leite (cerca de 450 mil amostras por ano), 56% não se enquadram nas exigências da Instrução Normativa 51 para contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacteriana (UFC). Para alcançarmos os padrões exigidos, temos que estabelecer uma rede de capacitação, com ações conjuntas da Embrapa, Mapa, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Ciência e Tecnologia, SEBRAE, empresas privadas, etc. Unindo esforços, criando um programa de boas práticas na fazenda, poderemos acompanhar, certificar e rastrear a produção de leite no Brasil.


BB – A respeito da rastreabilidade como está a pecuária de leite em relação à de corte?


DV – Do ponto de vista da rastreabilidade, o rebanho de corte é muito mais complexo do que o leiteiro. Apenas 20% do efetivo bovino nacional é destinado a produção de leite. Além disso, a migração na pecuária de corte é muito maior, já que o comércio entre produtores é mais dinâmico. Mas a rastreabilidade é uma exigência do mercado internacional e nós temos que respeitá-la. Não se encontrará muita dificuldade em rastrear o efetivo do rebanho de leite. As raças que são registradas, por exemplo, já contam com alguma forma de rastreabilidade. As associações de produtores detêm tais informações. É necessário organizar estas informações para termos um banco de dados efetivo e estarmos preparados para atender às exigências do mercado.


BB – O senhor falou em aquecimento global, há como aumentar a produção sem tornar ainda mais grave o problema ambiental?


DV – A gestão ambiental terá papel central nas ações da Embrapa Gado de Leite. Teremos a responsabilidade de viabilizar a construção de uma pecuária efetivamente sustentável, priorizando projetos que avaliem os impactos da atividade leiteira no meio ambiente e minimize tais impactos. E há como expandir a produção de forma ambientalmente correta. Um exemplo: nós temos praticamente 220 milhões de hectares de pastagens, dos quais 176 milhões são pastagens cultivadas e se encontram com algum grau de degradação. Em alguns casos há, inclusive, degradação do solo. Se considerarmos somente o Brasil Central, são 60 milhões de hectares com algum processo de degradação. Paralelo a isso, a nossa produtividade é muito baixa. Um desafio sustentável e ambientalmente correto é melhorar a estrutura dessas pastagens, incrementando a produtividade por área. Desta forma, aumenta-se a produção de leite ao mesmo tempo em que se disponibiliza mais áreas para produção de grãos e agroenergia. A intensificação do sistema de integração lavoura/pecuária/florestas é, por exemplo, uma forma de se recuperar pastagens degradadas, aumentando a produção.


BB – Quais as diferenças conjunturais existem hoje no setor se comparado há oito anos, na época em que o senhor assumiu pela primeira vez a chefia geral da Embrapa Gado de Leite?


DV – O Brasil passou de importador para exportador de lácteos. Isso ocorreu a partir de 2004. Em 2007 o preço favorável do leite alavancou a produção nacional. Antes, o produtor, tanto de leite quanto de grãos, era muito sacrificado já que havia mais oferta do que demanda. A inversão se deu há quatro anos, quando os estoques mundiais de alimentos se reduziram. O preço favorável do leite no Brasil é uma conseqüência do mercado internacional. Em 2008, os preços decresceram e a situação já não é tão confortável para o produtor. É preciso ter bastante cuidado, pois vários fatores, principalmente os relacionados ao custo de produção, comprometem a estabilidade dos preços. Influenciado principalmente pelo preço do petróleo, os custos de produção estão ascendentes. Para fazer frente a isso, o que a pesquisa agropecuária necessita é estudar formas alternativas para substituir os insumos importados. Deve-se também buscar novas alternativas de alimento para o rebanho. Precisamos avaliar novos produtos e subprodutos para a alimentação de ruminantes. Alimentos que não venham a competir com a alimentação humana como soja e milho. Com relação aos fertilizantes, o Brasil é extremamente dependente do mercado internacional, comprando de fora algo em torno de 60% do que necessita, principalmente potássio. Temos que pesquisar novas rochas para substituir os fertilizantes importados. Podemos ainda pesquisar substratos que, incorporados aos fertilizantes, torne-os mais eficazes na liberação de nutrientes para o solo. Esta é uma prática ecológica já que se melhora a ação dos nutrientes do solo, contaminando menos o meio ambiente. Alguns países como a Nova Zelândia e a Austrália estão à frente do Brasil nestes estudos.


BB – O senhor acha que o modelo de produção a pasto deverá persistir nos próximos anos.


DV - Os custos dos fatores de produção são quem irão definir qual o sistema será mais viável a curto e médio prazo, em função da sua localidade. Hoje é inviável pensar em um sistema de produção de leite a pasto perto dos grandes centros consumidores. Faz vários anos que o leite tem sido empurrado para novas fronteiras, principalmente para as regiões central e oeste do país. O leite está se assentando em locais distantes dos grandes centros. Na região centro-sul, os sistemas confinados deverão permanecer. Realça-se que ainda há bastante espaço para os dois tipos e sistemas no Brasil. Tudo depende da sua localização. Ratificando: o preço do leite, os custos da terra, da mão-de-obra e dos insumos são quem determinam o sistema de produção de leite a ser empregado. Hoje, quando os preços internacionais do produto estão satisfatórios, os sistemas confinados podem prevalecer sobre os sistemas a pasto, pois o preço pode encobrir ineficiências do modelo. O sistema de produção confinado tem que ser extremamente eficiente. Já o sistema a pasto é menos vulnerável aos ditames do mercado internacional, por ter um custo de produção mais baixo.


BB – Em curto prazo, quais as perspectivas para o setor leiteiro?


DV – Este ano, a produção brasileira deve ficar em torno de 27 bilhões de litros. No ano passado, o Brasil exportou 2,3% da sua produção, cerca de 600 milhões de litros. Esse ano, as exportações podem chegar a um bilhão de litros. Comparativamente, menos do que o percentual do crescimento registrado da produção, o que tornará o setor refém do consumo interno. O grande escoamento da produção nacional ainda é para consumo interno, o leite é extremamente vulnerável ao mercado doméstico. Uma grande redução no consumo interno seja por causa de inflação, seja pela diminuição da renda familiar ou deficiência de programas governamentais é capaz de comprometer todo o trabalho desenvolvido nos últimos anos no sentido de estimular e aumentar a produção. Para garantir alguma estabilidade, necessitamos de um trabalho de marketing que incentive o consumo interno de lácteos, além de ampliar os programas sociais.


BB – Comparando com oito anos atrás, o senhor acha que será mais fácil dirigir a Embrapa Gado de Leite.


DV – As dificuldades serão enormes. Sempre tivemos problemas em relação ao orçamento da unidade. Este é um grande gargalo. Com relação aos recursos, a esperança que temos é o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Embrapa, prometido pelo Governo Lula, que está sendo implantado a partir desse ano. O PAC Embrapa significa um incremento de 500 milhões de reais por ano no orçamento global da Embrapa. Isso poderá ter um reflexo substancial para todas as unidades da Empresa. Mas a grande preocupação é o fluxo de recursos. Como nós trabalhamos com produção animal e dependemos todos os dias de dinheiro para alimentar o rebanho, o fluxo de recursos ainda é um sério problema.


BB – Como o senhor vislumbra o setor para daqui a quatro anos, quando estará deixando a chefia geral?


DV – Acredito que o setor crescerá nas taxas que está crescendo hoje, entre 4% a 5% ao ano. O mundo continuará crescendo, principalmente os países asiáticos, e vai continuar consumindo muito leite. Para abrir novos e grandes mercados, que absorvam nossa demanda, precisamos diminuir as barreiras não-tarifárias, que envolvem problemas de sanidade, rastreabilidade, qualidade do leite, etc. Se fizermos nosso “dever de casa”, a pecuária de leite no Brasil terá um caminho confortável para os próximos anos.